terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Cinzas

E aquele maldito cheiro de cravos espalhados pela madrugada que sufocavam mais que o choro...

"Eu não sabia que ele iria embora. Quer dizer... eu podia ter avisado ou (não, não havia nada que ela pudesse ter dito, na verdade) quem sabe eu..."

e os soluços entre balbucios eram uma tentativa desesperada de reaprender a respirar:

"Quem sabe se... se eu soubesse... teria dado um... um abraço mais forte, um olhar mais insistente. Eu só queria ter tido o tempo de dizer qualquer coisa... qualquer coisa mais interessante do que meias sujas. Você entende? Ele estava ali tão ausente e com os pés tão sujos do desprezo pelo caminho que... eu só consegui falar das meias. Não queria que se perdesse nos passos e agora..."

Pra falar a verdade, não tinha faltado tempo, mas espaço. Ele enchera tanto a cabeça e os ouvidos daquele drama, daquela desvontade de qualquer coisa que palavra nenhuma entraria. Já nem adiantava falar, porque ele insistia tanto em repetir todas as coisas que maldissera a vida inteira que rasgara os tímpanos. Agora só sabia ouvir o que sua tristeza inventasse.

E ela ficou ali, acariciando os pés sujos e descalços do cadáver. Ele tinha um par de meias brancas nas mãos. Mas de que adiantava ter aprendido a lavar as meias?

Justo ele que morrera da falta de vontade de andar...

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Times Square

É a tal da ''velha proposta de ano novo''. É válida, eu creio.
Juras pra lá, promessas pra cá... Atos comuns. Eu não os fiz. Só quero que seja diferente. Quem sabe melhor ou até pior, mas diferente. Ás vezes o coração precisa da mudança pra bater melhor; precisa do susto pra ficar atento; precisa da dor pra saber amar. É confuso falar do novo como sendo o velho ou vice-versa.
O mundo se prepara pra vida nova e minha vida se prepara pro mundo novo. A partida está dada. O resto é por nossa conta.

Mau

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Oceano

Minha pele está me escondendo.
Eu tento fugir e não consigo.
Vou cavando, cavando, cavando.
Não acho a saída.

Me solta!
Não quero seguir seu caminho.
Isso não é meu!
Me solta!
---
Eu quero uma canção.
Quero a alegria de cantar.
Eu consigo cantar.
Eu sei cantar.

Meu caminho está livre.
Estou indo.
Minha silhueta é pequena.
Estou livre.


Mau

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Eu grito!


segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Cresceu

Com pesadelos impulsionando os pés, ela corria pelo bosque na esperança última de ainda salvá-lo. Que se danasse a promessa de última vez feita antes, era mais importante salvá-lo!

De repente, ele sorriu.
Joelhos ralados, arranhões nos braços e lágrimas nos olhos. Do meio das pedras e dos espinhos, aquele sorriso foi uma flor, e ela não conseguiu entender como ele podia parecer tão quente e confortável naquele ambiente gelado e áspero. Tinha ido até lá aos pulos, com sua manta cor de rosa ou azul bêbê, tinha ido resgatá-lo daquela agonia e desespero e... Espera.

Ele gargalhava deliciosamente no meio das pedras que a ela pareceram um filme de terror. Os traços de menino tinham endurecido, o brilho dos olhos parecera fosco ou talvez apenas menos inquieto. Ela tinha ido com todas as suas expectativas salvá-lo do abandono e da tristeza com seus banhos de carinho.E ele não tava nem aí

Prece de berço e abraço aceitos, mas ele já não era mais criança assim. E nem percebeu quando seu sorriso aqueceu-lhe a alma e fez respirar mais leve o coração. Ela entendeu que por mais estranho que parecesse, aquele era o ninho dele.

E na sua nobilíssima missão de salvamento, inverteram-se os papeis:
foi ele que a resgatou do frio.

domingo, 28 de novembro de 2010

Marcos

EI, PAI! EU TÔ AQUI PAI, Ó! Ô PAI, ÓIA PRA CÁ! OCÊ NÃO TÁ VENDO EU NÃO PAI? Ô PAIÊÊ!
E ele não viu. Ai o tempo passou... Passou... E o pai não veio. Mas o menino precisava do homem que sumiu. Precisava de um jeito escondido. Sem que ninguém soubesse. Porque gritar ele não podia. Tinha que mostrar que era forte. Pena não era bem-vinda.
Que droga! Poderia até ser um outro homem que sumiu. Mas não! A raiva e o ódio da lavadeira se resumia em orgulho. Um orgulho feroz de risada grande e exagerada.
Então... E o menino?
Que menino?

Mau

sábado, 27 de novembro de 2010

Uma carta sóbria

Meu mundo está correndo pra fora de mim. E eu ainda nem sei ao certo. PRECISO ALCANÇÁ-LO!
Mas ele foge. Foge de mim de um jeito que eu não consigo acompanhar. E meu coração acelera. Que agonia que dá! Eu vou correndo, correndo, correndo... Quando chega lá no final eu caio. Mas que agonia que dá!
Ontem, amanhã, hoje estou parado. Eu vou me sentindo reverso de trás pra frente ao contrario e de cabeça pra baixo. Ai dou por mim e me vejo no mesmo lugar. Como sempre. Sempre parado.
Ah! A propósito: ''Onde está minha lhama? Eu preciso da minha lhama!'' Já disse que esse camelo sem corcunda não existe, oras!
Quanto mais eu sonho, menos eu os busco.

Um abraço forte, Íntimo.

Mau

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Na estrada

O céu de um azul rasgado, bonito de doer os olhos. A única nuvem ao longe, longíssimo, é como miragem pros meus lábios rachados de deserto, imaginação da sede...

E bem ali, no entre tanto, entre a casa e os livros, há árvores que pingam. Sem pássaros nos galhos, sem orvalho da manhã, sem rasto de nuvem no céu...
E só naquele pedaço de caminho, bem ali no meio de onde o sol escorrega e nos derrete, uma sombra com pequenas poças que não param de aumentar marca a passagem.

São árvores com flores bonitas.
Mas em pleno dia de céu azul,
A despeito dos sonhos de frutos deliciosos,
escorrem-lhes lágrimas.

Adivinho que vieram de longe:
choram raízes.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Volta

Dias em que a vontade é de ignorar todas as recomendações e ficar bem ali também, pequena e quieta. Agarrada no portão, de olhos grudados na rua, esperando um carro conhecido aparecer.

Vontade de pausar o agora pra poder organizar o antes e o depois que ficam zanzando entre os pensamentos, de ignorar a correria e o barulho que voam bem ali, nas costas. E deixar a lição de casa pra um depois que seja antes do boletim ou do próximo ano, mas que aguente pelo menos esperar a hora do lanche.

Dias em que dá medo e quem sabe angústia, apesar de ser palavra difícil pra essa hora de criança.

Mas aí, bem nessa hora em que eu me deixo escorregar nas vontades por dois segundos ou quem sabe três... Uma voz familiar aparece camuflada de sussurro ou gargalhada, e traz de volta - ou pelo menos até o meio do caminho - pro tal portão em que "na vida real" um carro conhecido não vai aparecer. É que a gente sempre pode fazer de conta...

Finge que alguém vem me buscar. Aí a vozinha me resgata lá naquele segundo de quase-lágrima:

"Vem brincar com a gente que a mamãe chega mais rápido!"

sábado, 2 de outubro de 2010

Maternal

Já estava quase claro e quase perto. E aí não ia ser tão perigoso fazer aquele caminho, nem tão amedrontador largar aquela mão. Aqueles dedinhos tão gelados que pediam um olhar que os aquecesse... E ela ali, obrigada a fechar os olhos pra eles, sem nem uma lágrima permitida de explicação.
Acordava em desespero tantas vezes, como se ele ainda fosse um embrulhinho, uma presa mal protegida na cesta e nos lençóis da noite fria. Como se nunca tê-lo adotado fosse tão cruel quanto o drama daqueles pesadelos em que ela o abandonava na noite, dedos frios sem abraço. Os dedos que depois ficaram ágeis e os olhinhos brilhantes de novas perguntas, novas fantasias. Quantos anos já teria? Quantas vezes ele ainda lembraria sua prece, aquela mesma que ela lhe repetiria para sempre em frente ao berço vazio? Depois daquele adeus doído e largo, o colo dela nunca mais seria o mesmo.
E rezava aos anjos que se ninguém - Deus do céu! - se ninguém mais se lembrasse de contar-lhe alguma história e colecionar coisas lindas com afagos nos cabelos lisos... Que os querubins o protegessem e trouxessem nos seus sonhos notícias gostosas do céu. Ele pelo menos saberia quando foi que o menino Jesus desceu por aqui e jogou bola.
Estava tão perto agora e o peito doía. Quão crescida seria sua angústia quando os visse assim, gentes-grandes e sem nenhum traço de lembrança dela? Viu de longe o mais velho, tão diferente e sentiu o conhecido golpe de ciúme. Aquele não era seu, nunca fora. Asas de águia o amparavam agora e a ela não era permitido carinho nenhum. E o pequeno? Às vezes achava um espaço escondido no ninho, mas era difícil. Estava quase claro... e muito perto. Ela preferiu ir embora antes que conseguisse ver, antes que ele mal-entendesse a sua saudade.
Era um desses Amores tão grandes...
Já não podia chorá-lo sem que escorresse a alma pelo rosto...

Pequena Lis

Um sol brincando de lua em plena manhã

Ou talvez fosse a lua tardia. Só pra dizer que o inverno passava...

e as rosas estavam a caminho de abrir um tanto mais, no dia depois.


Pra vocês que conhecem o cheiro do amarelo e os sons dos sonhos
Eu desejo dias com banhos de chuva e sorvete
E outros tantos de borboletas e raios de sol!

Sê bem vinda, primavera... a deserto do inverno não precisa ser eterno

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Para Luna Clara!

Quando chegou a minha vez, tinha só uniforme e voz de sonho. Tinha, na verdade, um desejo qualquer e pueril de sentir de perto o cheiro daquele sorriso. E o livro pra ela autografar?

Não tinha livro. Tinha eu, menina, eufórica, de joelhos. Nem haver não havia. Tinha mesmo. Naqueles dois minutos, era ter, com sujeito. Dela o meu ajoelhar sem suplício, com êxtase só defronte a cadeira. Era dela e da poesia, mas era pessoal - por isso tinha sem haver.

"Me dá uma palavra?"
"Uma palavra?"
"É... eu queria pedir (e aí já tava pedido!)..."
Sem se aborrecer, ela foi digna do Asteróide B612 e ficou procurando o carneiro ou a caixa que ia me desenhar, bem séria.
"Uma só? Que difícil!"
Num pedaço de papel rasgado e muito mais dentro do brilho que ela deixou cair nos meus olhos,
eu trago um autógrafo lindo e dois dos presentes mais encantados que já recebi. Depois de muito pensar, ela deixou escorrer mais um sorriso que eu guardo dentro da caixa e tento ao mesmo tempo espalhar de novo:

amor e gentileza.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Bibbedy bobbedy bee bee

Ao barulho da chave girando na porta, ela levantou a cabeça dolorida da pilha de livros e se deu conta do avanço da hora: dormira entre as páginas, esquecida da falta de tempo. Estava tentando descobrir se dizia boa noite ou bom dia mas mal abriu a boca, ele gritou:

_ Não me manda estudar!

_ Mas... eu não ia...

_ Eu já trabalhei hoje o dia inteiro, não tá bom? Não serve pra você?

Bateu a porta com força, e ela zonza, sem entender o que acontecia. Queria só cumprimentar, que grosso!

Pegou o telefone pra tentar com alguém alguma conversa decente, qualquer que fosse aquela hora e ficou horrorizada: ouviu jorrarem números e termos técnicos pela sua boca afora, sem que tivesse o menor controle das próprias palavras. Tentou explicar que entendia que ele quisesse mais aventura ou pelo menos mais movimento pros sábados à noite, ela entendia, de verdade, talvez até quisesse também e tanto! Era só que prova trabalho relatório reunião agenda horário remarcar cinco prazo cronograma exame tabela futuro regra lembrete caderno comida material dúvida contrato conta promessa contemplação projetos doença

_ AI! Olha, desculpa, eu não queria falar assim, foi sem querer e...

Tarde demais, a amiga também desistira e desligara o telefone, depois daquele jato e ela não conseguira de novo, nem segurar nem terminar pra mudar de assunto.

Aquele descontrole tinha começado no meio do parque de diversões, e desde então era sempre no auge dos brinquedos e programas mais legais que ela vomitava suas reclamações e informações mais chatas, não importava em quantas outras coisas pensasse ou quão forte tapasse a boca. A varinha mágica jazia impotente no fundo de uma caixa de sapatos e as coisas lindas parece que escondiam... Chorar podia, sem risco de asneira. Até ele se compadeceu, lá no além do seu cansaço:

_ Ei, não fica assim! Eu gosto de você. O que aconteceu?

E aquela pergunta maldita ia rasgar o abraço bem no meio quando ela abrisse a boca, cuspindo sua academia irrefreável bem em cima da paciência dele. Às vezes parecia pior que eles não desligassem porque ela continuava ali com seu vazio soando ingrato, fazendo uma força pra silêncio que sempre deixava escapulir um termo técnico ou um suspiro.

Não queria mais brincar dessa coisa de pesadelo
tava ficando chato
tava dando medo
e tinha um monte de palavras legais guardadas e teimosas
poderia fazer mágica com elas se saíssem
Mas estava tropeçando numa língua salgada e rebuscada
palavras feias, de óculos aro grosso e aparelho freio-de-burro assombravam

Delirava... teria dormido na mesa de novo?

"Mamãe, eu não quero mais" (e ficou feliz de saber choramingar uma coisa normal que fosse)

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Não acaba...

Descabe

Descabela

Destoa

E às vezes se esconde, camadas abaixo
Abismos acima.

Talvez desabe, esmoreça, fantasmagorifique

Esse tal sentimento perdido, tão cheio de rumos, caba não, nem nunca. Começa, talvez.

Ele se afoga nos clichês ou se disfarça em fantasias, mas está lá, sempre inconcluso
Sem insistir em explicar-se, que ele aprendeu de um poeta:

"A gente só sabe bem aquilo que não entende"

domingo, 22 de agosto de 2010

Vigília

Campinas, 2010

“Não!”. O que pretendia ser um grito foi menos que um sussurro. Acordou irritado, o relógio marcando noite na cabeceira, a blusa de frio pendurada na cadeira parecendo pessoa, esfregando-lhe no rosto o vazio do quarto. Respirava fundo e, enquanto retomava o fôlego, fingia que o costume tinha ganhado do medo, mas ainda precisaria de muitos pesadelos como aquele pra se habituar a ponto de parar de tremer.
O problema não era o sonho, pelo menos não enquanto estivesse de olhos abertos. Mas aquela agonia de acordar negando e não lembrar o que, de só reconhecer o silêncio que a voz não conseguia interromper, aquela lacuna na memória era o limite do insuportável. De quem era esse rosto de que ele não se lembrava mais? Sentiu o formigamento acabar pelas pontas dos dedos, os olhos já acostumados ao escuro, o pulso de volta ao seu ritmo. Quase podia dormir outra vez, quem sabe uma noite tranqüila depois de tantas semanas. Quase.
Foi quando alguma coisa nele quebrou a reação mecânica de resmungar o travesseiro e recomeçar o drama. Deixar o tic-tac niná-lo de novo, remexer e derrubar as cobertas até ficar gelado, sonhar, acordar com o grito aprisionado e levar horas controlando todas as reações bizarras do corpo sem nenhuma explicação pra nada disso. Não, dessa vez ele faria diferente, encontraria alguma razão pra esse desespero todo e aí, quem sabe, dormiria bem enfim. Mas, se nada na sua vida medíocre mudava nunca, por onde começar? Não sabia sequer o conteúdo do sonho que o apavorava tanto, o único vestígio era sempre aquele vulto vazio, borrado na desmemória do acordar. Ia sair e procurar alguém, qualquer um que preenchesse aquele vulto, que coubesse no espaço vago. Só precisava de um rosto que justificasse a agonia e pronto, voltaria a dormir.
Abriu a velha porta de madeira do seu pequeno quarto e o cheiro de papel antigo e poeira o invadiu, familiar. Se havia qualquer coisa a remarcar na sua vida era a moradia: um cômodo quase escondido numa grande biblioteca particular, cedido muitos anos antes por um velho bibliófilo em troca de pequenos serviços. Separada da mansão por um jardim, onde todos os outros ricos da região tinham casas da piscina, Sir Bernström tinha livros. Montes deles. Até hoje o menino – sim, ele não passava de um menino mesmo quando parecia ranzinza – não tinha muita certeza de como fora parar ali. Ponderava se já não era ele mesmo um amontoado de folhas amareladas e sem vida.
Cinco passos pra longe da cama e lá estavam as prateleiras imensas e cheias de volumes de todos os tamanhos, metodicamente organizados: “são nossas passagens secretas”, o velho tinha lhe dito uma vez em tom sério de segredo, de mistério sagrado. Passava por ali sempre com muito respeito e cuidado, mas as sensações hoje eram outras e era como se ele não tivesse tempo a perder com rituais. Não estava se deixando pensar porque não encontraria solução e estava desesperado e cansado demais para se render ao pesadelo: ainda se fosse até o fim, se não acordasse antes da hora...
Cambaleava pelos corredores sem arriscar-se a acender uma luz, guiado por alguma dessas loucuras que a insônia dispara e só a manhã sabe frear. E às vezes, nem ela. Escolheu pelo cheiro ou pelo impulso uma obra em cada corredor entre séculos, gêneros e línguas diversas até ver o sol ameaçar atrás das grandes janelas de vidro. Ainda não era manhã, mas já havia um pouco de claridade sobre as mesas e horas a fio ele folheou páginas e páginas das histórias mais desconexas, procurando qualquer coisa que assustasse o suficiente para fazer parar, alguma figura qualquer que ele precisasse negar.
Quando o dia se fez ele vagueou pelas ruas, à caça de caretas e agonias, certo de que só um alguém muito feio ou uma expressão de dor violenta poderia ser colada no lugar do tal vulto e assim ele sonharia concreto e lembrado, fácil de desfazer depois. Se pudesse inventar um nome qualquer pro seu medo das madrugadas, ele viraria companhia por mais horrendo que fosse. Chegou a entrar em um ou dois hospitais, a encarar as estátuas de uma igreja, olhar o cemitério, mas nada parecia suficientemente apavorante.
Voltava derrotado para a mansão quando cruzou com um menino bastante esquisito, de olhos atentos. Ele também parecia perdido num mundo próprio, à procura de qualquer coisa nos rostos alheios quando as duas faces se puseram em sintonia ou em transe: reconheceram-se. Depois disso, tudo foi confuso e rápido demais.
Sem uma palavra, a corrida de volta à biblioteca parecia uma competição, uma maratona alucinada. Voltaram - ambos pálidos - com todos os livros para os seus lugares, vasculharam corredores em busca de outro objeto perdido, estavam tão perto, bem ali naquela prateleira em frente, escondido atrás da ampulheta... “Não!”
Acordou incrédulo. Dormira no corredor, contra toda a adrenalina e a dois passos do último grão de areia e agora simplesmente não encontrava o menino em parte alguma. Revirou o cômodo, voltou ao seu pequeno quarto e sacudiu as cobertas como se o garoto tivesse se perdido dentro do sonho. Nada. De volta ao corredor da confusão, notou que a ampulheta estava virada, que alguém pusera o tempo para recomeçar. As perguntas vinham-lhe aos milhares e só agora, estatelado defronte o relógio de areia ele percebia ter procurado a criança sem nenhuma claridade. Mas a biblioteca tinha janelas enormes para receber a luz do dia.
Dia? Há quantas semanas estaria preso naquela hora entre o fim da tarde e o começo da noite? Encontrara enfim um rosto, mas ele não assustava em nada senão pela continuação do enigma. Olhou de novo a ampulheta tão displicentemente posta bem em frente àquele amontoado de papéis amarelados que alguém amarrara em qualquer época distante; e ainda sob o peso da sala vazia ouviu, clara, a voz de menino: “Quem é você?”.
A pergunta ecoou e por um instante ele pareceu se livrar do delírio. Levantou decidido a retirar dali a ampulheta e descobrir o que quer que houvesse nos papéis mas, tão logo aproximou-se da prateleira, entendeu que não era o objeto que não se mexia, eram as mãos. Quando chegavam muito perto, congelavam no ar sem forças senão para descer de volta ao longo do corpo. “Quem é você?”. Estava tão preocupado em sair do pesadelo, em vencer aquela hora interminável, começar um dia de verdade para... Para que? Estivera tanto tempo suspenso no silêncio, tanto tempo calado, sem dar atenção sequer às palavras dos livros, procurando desesperadamente por figuras que esquecera o próprio nome. Quem era ele?
A interrogação pairava pesada e o tom da voz lhe dava a certeza de que ela só podia pertencer ao menino da praça. O misterioso menino que conhecia o caminho da mansão e o lugar de cada obra entre tantas estantes, que sabia mesmo da sua importância como passagens secretas e estava ali no recomeço daquele dia eterno escancarando-lhe diante dos olhos a mais secreta das passagens sem que ele soubesse abri-la. Não podia acreditar que não soubesse o próprio nome, que o tempo estivesse outra vez pela metade e ele não conseguisse ser mais que um vulto. Imóvel, as mãos caídas sem força, os olhos desvairados percorrendo títulos de livros à procura de qualquer nome que pudesse dar a si mesmo... Aquele dia infernal começara com uma busca insone por qualquer rosto que lhe disfarçasse o medo, qualquer nome que o transformasse em riso e agora o pavor era de não ter nenhum rosto para alguém encontrar.
Conhecera tantas pessoas, tantas personagens, deveria ter muitos nomes na ponta da língua. Era só dizer qualquer um deles, gritá-lo para calar aquela pergunta estúpida que retinia em seus ouvidos. Forçou-se a parar os olhos na ampulheta, abriu a boca e... Fechou-a novamente! Nenhum nome na memória, nenhum som na garganta. Amarelo e sem vida como os velhos volumes em volta, ele seria uma passagem secreta pra onde se ninguém o descobrisse?
Mais uma hora ia se completando naquele tempo paralelo que o engolia a cada inspiração sem resposta quando a areia rompeu o vidro e a realidade, encheu a sala como tempestade de deserto, monstruosos grãos aglomeravam-se em volta de todo o corpo enquanto ele tentava alcançar os papéis e sentia as mãos serem tragadas pelo pó. O vidro estilhaçado ameaçando a garganta, olhos fechados de pânico e proteção, tudo no silêncio massacrante – soterrado no próprio tempo, nas próprias lembranças mudas. A areia cobria até o pescoço quando ouviu de novo o menino indagar: “Quem é você?”.
Desesperado, quis dizer quem era independente de nome ou história, dizer qualquer coisa para não se afogar em passado e poder, quem sabe, ser alguém depois que tudo aquilo passasse. Mas a areia veio violenta preencher poros, ele não era ninguém, um vulto qualquer cujo tempo estava esgotado, um borrão que o último grão vinha calar de uma vez por todas. “Nã...” – tarde demais pra um sussurro, mas ele nunca teria voz pro grito.


Depois que o menino partiu, crescido e idêntico ao pai, para viver no deserto distante, o filho único e em que Sir Bernström apostara todas as fichas, em quem pusera seu nome, seus sonhos, suas esperanças e metas, alguns dizem que ele enlouqueceu. Enfiado a um canto de sua grande biblioteca, primeiro ele dizia prestar serviços ao dono da casa em troca do quarto inexistente, depois as pessoas pararam de procurá-lo.

Dizem que escreveu durante dias suas memórias, seu passado, que acumulou todas as fotografias, documentos, cartas e escondeu todo o inventário em algum vão nas prateleiras entre os livros que chamava de passagens secretas e que o segundo Gustaf Bernström jamais tivera desejo algum de abrir. Renegadas a sua companhia, os seus cuidados e seu maior tesouro, o velho bibliófilo comprou uma ampulheta e repete desde então a hora em que o perdeu de vista, em que o deixou levar embora todos os seus planos. O sonho é que antes que caia o último grão, o garoto volte com um pedido de desculpas e a alma do pai.

Há quem acredite que emudeceu de revirar a ampulheta e reviver a angústia. Dormia no chão e seu quarto imaginário era um quadrado, a cadeira no canto, com o casaco que o garoto não quis vestir antes de ir-se embora.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

instantâneo

Como se só você fosse capaz de ouvir
o meu silêncio nas madrugadas
Eu encho os outros ouvidos de meias verdades e risos nervosos.


A minha angústia não vê a hora de estourar

... E no entanto...

Ela não quer nenhuma escuta que não seja a sua.
Elas estão subindo pelas minhas paredes, as palavras
Porém, de unhas cravadas no dentro da pele


escorregam horas a fio, sem rumo nem porquê.

As letras tropeçam umas nas outras
até a beirada dos olhos.
Mas é só o bastante pra me queimar as pálpebras
e se embolarem de novo garganta adentro.

Elas me embrulham o estômago e lacram a alma.
Essas minhas palavras que se recusam
a tantas interrogações amigas,
tantas possibilidades.

Elas me imobilizam, sem me adormecer
Cruéis!
Imunes a todo carinho, a toda atenção
Esquivas

E aí vem você e respira
E suspira um segundo essa voz...
É quando elas vêm com força de cachoeira
de onda de mar que não vê nem navio
Eu transbordo alegrias, vontades e medos
Sem nem coragem de não-ser
ou desmentir o meu soluço

A minha confusão assim, lacrada.
Só até você chegar com esse sussurro
Que nem interessaria tanto
se não me convencesse
Que você existe

E que é só disso que eu preciso naquele momento.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Au bois dormant

Entre tempos e sonhos,
Às voltas com fusos que nunca existiram.
Pensamentos perdidos entre traslados,
Esparramados pelas plataformas!

Entre tantos outros e longes;
Da noite pro dia me veio uma roca:

fadamadrinha furonodedo reinocongelado fraseemboladanotemposuspenso

Cem anos!

E no abrir dos olhos, não tinha passado de sono
De talvez meia hora
antes do despertar...
Despertador? Era ônibus.

Num repente,
tropeçou no futuro!
Apertou os olhos com força
De segurar hora certa.

E Cadê aquele beijo que não chegava,
pra começar logo o final?

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Ausência

A você que eu perdi pelo caminho e que me aparece entre a vigília e os sonhos...

Às vezes eu me assusto que você cresça e eu já não esteja mais aí, onde quer que seja isso.
E que eu já não te conte histórias, não divida dias, segredos e abraços...
Tem dias que a minha alma dói de pensar a sua mão sozinha naquela hora em que a minha gostava de estar perto pra dizer que ia passar;
E outros em que esse seu olhar tão criança brinca com a minha nostalgia, vem cochichar no meu ouvido que ele amadureceu e corre o risco de talvez virar olhar de gente grande.

Eu me assusto!

Ainda tinha tantos vales encantados pra eu te mostrar antes que a gente crescesse! Mas eu sei que naquele sorriso você vai guardar pra sempre uma pontinha da criança, uma lista de coisas lindas. Às vezes o meu coração vai aí e te abraça calado. Ele vigia o seu sono e aquele quarto antigo que eu nunca vou saber se mudou.

Você vai ser grande tão logo e eu agora já passei. Já não posso querer ser junto ou te por no colo. Nem trocar aqueles papéis todos tão malucos.

A você que na verdade são tantos, são tantas. Que talvez nunca façam ideia.
Eu confesso que sinto saudades
Eu desejo feliz aniversário;
uma páscoa deliciosa;
um Natal muito lindo;
Feliz Ano Novo!...

A você que veio, colou sua lista e me deixou só com um abraço pra respirar
Que não responde mais ao meu sorriso
Ou você que ficou bem ali esperando que voltasse sem nunca tentar vir também
A você que consegue entender que no fundo, no fundo, faz sentido

eu vim dizer que te amo
Nas datas e fora delas, de olhos e ouvidos tantas vezes fechados
pras distâncias, brigas e ausências
Que eu os amo, a todos vocês
Mesmo que esse eu que vocês fizeram, talvez nunca os conheça de novo

Eu vim dizer que em certas madrugadas
vocês me deixam numa saudade danada de mim!

segunda-feira, 7 de junho de 2010

longe, perto, antes, depois

Era um outro tempo. E a gente media as distâncias de um jeito muito outro e muito cheio dos nossos pedaços e manias. Era assim:

A casa da vó ficava num lugar chamado interior que era a um sono pequeno de distância. Só o tempo de dormir com calor e acordar com frio, resmungando a coberta;

Mas na casa dos tios, eles falavam que a nossa casa é que era o interior. Eles moravam num lugar que era longe e grande. Longe significava muitos cds de distância que a gente ouvia no carro e grande era porque não dava pra ir pra lugar nenhum de bicicleta;

A piscina media n cambalhotas por x bananeiras. (Claro que quando era a amiga grande, parece que a piscina ficava muitas piruetas menore que depois de um tempo, quase não cabia pirueta nenhuma e não era a piscina que tinha encolhido);

A tia ficava num longe que até os adultos achavam muito: era vários cartões postais pra lá que ela enchia de saudade e mandava com fotos bonitas. Escrevia até que tinha neve, parecendo de filme!

Depois de um tempo, a escola ensinou as medidas "de verdade". E a mãe ensinou as histórias dos pássaros e deu um anel de presente: "Longe é um lugar que não existe", ela dizia quase em segredo pondo-me o anel no dedo.

Agora o pai pode falar em quilômetros quando formos viajar, até porque há mp3 e não dá mais pra contar quantos cds. Mas ainda é tão mais divertido medir os caminhos em árvores ou os parques em borboletas!
900 km depois, eu sou obrigada a acreditar nos pássaros e no meu antigo anel: longe não existe. E daqui dos 15 graus de gelo, me agarrando naquele seu abraço quente, eu finjo que conto semanas mas sei em segredo que o seu sorriso está só a uma noite de sono, um sonho de distância.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Bem vinda!

E foi só depois do jantar...


Tantas semanas passadas com ela pelos corredores, entrando rápida e saindo muda, olhando sem ver por horas aquela TV que talvez nem precisasse estar ligada. Depois de tantos ois e tantos silêncios em resposta, uma massa, uma coca-cola e luzes que se acendem e apagam. Algumas velas, por fim.
Todas as suspeitas de que havia sonho por trás daquela dor e fé em algum canto daquela dureza fizeram sentido depois do jantar. Porque com todo aquele tempo frio e a mania de nuvens, ela ainda tinha bichinhos de pelúcia e ex namorado como todas nós... Justo ela que chegara tão séria e decidida, tão senhora de si - também sabia chorar, afinal de contas.
Então, antes que as luzes se apagassem, eu não tive susto de descobrir-lhe a humanidade, mas veio uma agonia de entender aquele tamanho de tristeza que ocupara tanto espaço:

foi só depois de tempos dividindo o mesmo teto que ela afastou as nuvens e a névoa
... deixou uma lágrima cair

E talvez já houvesse meses desde que ela se mudara e que nos víamos todos os dias

Mas foi só então que eu descobri os seus lindos olhos azuis!

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Boneca de Plano

Ela ri de mim, mas é com ternura. Os cabelos de são mais de pôr-do-sol do que de fogo mas isso também pode ser desvio do meu olhar, suspeito. Quero voltar pro sonho, esquecer da hora e afogar nas cobertas mas o dia lá fora tá tão bonito! As palavras não conseguem acompanhar a velocidade dos batimentos e haja cérebro pra tanto coração...
Com olhos de espelho, ela me cochicha uma vontade louca e desenfreada de escrever, de pintar, de sair pra colher poesia no jardim do vizinho ou rodar o mundo de bicicleta. E nada falha, porque eu levanto apesar da vontade de mais feriado, e se desnorteio não é de agonia nem de tédio, é que talvez essa coleção de céus deixe a gente suspenso em alguma daquelas dimensões insanas do êxtase. A vontade de sol não é menor do que a de lua ou de sofá... De repente, tudo é conquista! Do filme em francês ao trabalho novo, das crianças à poesia portuguesa. E até o fim do mundo pode ser uma boa descoberta.
"Às vezes a gente precisa aprender a desexistir, que é pra poder existir melhor depois"
O vestido florido, as tranças de flor-de-Lis. Acho que sei seu nome! Eu adivinho em mim a sua gargalhada colorida e a sua lista de coisas lindas crescente, pedaços de poesia constroem todo o seu corpo e ela me protege da saudade.
O pontinho roxo parece acompanhar os batimentos acelerados... E o tom de azul no céu confirma o que eu aprendi há tanto tempo "Longe é um lugar que não existe". Passo o dia voando planos, distribuindo abraços, catando pedaços de bonitezas pra enfeitar os meus passeios e as minhas aulas. O sonho continua ali, do outro lado da rua: e por que não atravessar?
Costurada de vontades, de saudades e euforias, ela me vigia o sono e me defende dos fantasmas.
Com toda essa candura, como podia ser laranja-fogo?
As fitinhas na ponta das tranças... ela anuncia os meus planos da semana que vem e os da próxima década. Uma coleção delas! E outra de cheiro de borboletas
"Et on se prend la main, comme des enfants
Le bonheure aux lèvres un peu naivement
Et on marche ensemble d'un pas décidé
alors que nos têtes nos crient de tout arrêter"
(Comme des Enfants -Coeur de Pirate)
Ufa, que esses meios e caminhos são poderosos! E eu me fantasio inteira desses panos e planos, viro lágrima, boneca e palhaço... ponto de interrogação.
Por que tão confuso? Pra dar a graça
(ou talvez pelo mesmo motivo do laranja nao ser fogo... esse tal de olhar apaixonado é danado de por mel nas coisas que a gente acha!)

domingo, 25 de abril de 2010

E eu me obrigo a ir dormir

Com os seus olhos já me vigiando, impacientes, de dentro do sonho.


um poema, um conto e uma declaração ficam esperando nas pontas dos dedos
Mas hoje já não dá. Eu tenho um encontro marcado com você, outro com o sol

Ele vai despontar bem ali daquela janela... pra me dizer que já posso começar de novo


a fazer mil planos pra cada um desses segundos, uns até pra eu nunca cumprir. a Lua me prometeu que logo logo é de verdade e eu quero demais pra desacreditar dela.

domingo, 18 de abril de 2010

De chinelos, tapetes e olhares

Incrível como essa história de fronteiras acelera os movimentos de rotação. Na verdade, os mundos viraram mais algumas cambalhotas e nesse meio tempo, eu achei algumas coisas mais interessantes do que os chinelos que ninguém quis emprestar...
A gente precisa de um dia inteiro de salão e correria, de cabelos e maquiagens pra perceber que o melhor da festa era na mesa das crianças e na pista de dança lotada. Aí, depois de todo aquele desespero e aquele trabalho com o secador, o esmalte, a manicure que não tem horário e o vestido que - acredita quem quiser - ainda serve! não dá mais pra ficar em pé naquele salto chato e não existe nenhum porque pra ter doloridos centímetros a mais.
Danem-se os jornais de amanhã e as regras de etiqueta, elas são tão de ontem: as sandálias voam pra debaixo da toalha e a bolsa fica largada em cima da mesa. Afinal, qual era a graça de toda essa preparação pra ficar horas sentada na mesa de jantar? Eu vou à dança, com licença! E descobri que não precisava de tanto desespero com os caminhos e as flores porque chega uma hora em que até as bolhas mudam de cor. Toma aqui a minha mão, que eu já te vi antes aqui desse lado, vem passear comigo nesse meio-de-caminho, nesse caminho-do-meio que a gente pode até por um pé de cada lado quando der muita saudade de alguma cor antiga.
E os olhos que não riem, escandalizam-se: "pés no chão? Mas e toda essa sujeira, e os cacos de vidro? Eu não desço daqui por medo de me cortar!". E enquanto eu rio e desvio dos cacos, elas sangram sob as correias da sandália, com bolhas mil estragando o ritmo da música e a graça da noite. Fico com meu risco, que nesse caso é mais seguro.
Fico com esse meio de caminho que de repente eu descobri tão meu e tão gostoso. Entre o liso e o enrolado, entre elegante e desarrumada, com preguiça de tantos cremes e a mão ainda sem rachaduras. Chega de brigar com as fadas e as fantasias, entre a grama e o asfalto a gente senta no tapete até resolver pra onde vai, a gente vai voando nele mesmo pra sentir qualquer coisa de cada lado. E que tudo se esbarre ou se recuse, a minha alma eu já achei aqui, a minha pele eu vesti de poros desse quase que agora é a meu favor.
As ideias ainda tropeçam e gargalham, confundem-se nos espelhos e nas quedas. E eu peço desculpas pelos embaralhamentos: é que eu achei uns alguéns perdidos nos meus relógios e recolhi mais uns pedaços de sorriso daquela tal poesia perdida. De repente, tem um lugar lindo depois da loucura: e ele nunca não-foi, os olhos é que são novos!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A menina que roubava palavras...

Quase rouba a cena com os seus olhos que leêm tudo.
E a gente fica tentando te ler de volta enquanto você silencia enigmas. A gente fica tentando ser texto e te enxergar do avesso porque esse olhar que nos atravessa tem qualquer coisa de muito intrigante, tem qualquer coisa que barra o passo à frente e, ao mesmo tempo, convida provocadora "chega mais perto? Não vai embora"

Tão calada, com esse ar de quem vive em algum meio de caminho, em alguma suspensão de dois mundos quase-um, quase iguais ao nosso... com só um quase de distância

Paro por aqui, em reforma. Até o Mau aparecer com o resto do texto. (Lembra?)

segunda-feira, 22 de março de 2010

Uma frase x

Sabe aquelas coisas que ficam peregrinando na sua cabeça até você fazer qualquer coisa com elas?

Mesmo que não tenham nada a ver com a sua vida, com aquele momento, com as milhões de outras coisas que caberiam de ser escritas em cada linha do mês de março, esse trem ficou ali me importunando.


É do cuidado que a gente precisa ter pra que as coisas não caiam

É sobre quando tudo fica tão insosso, chato e inoportuno e o ano inteiro é uma grande tarde de domingo preguiçosa e sem fim, só com a perspectiva incômoda da segunda-quase-chegada na cabeça


Ou então é muito mais besta que isso, e eu solto e vocês que se virem com ela:

Quando todo mundo começa a ficar insuportável

Deve estar na hora de checar o seu suporte! Talvez ele esteja muito fraco.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Só queria que você soubesse...

Infantil? Pode ser. Eu e as minhas palavras que não sabem sair pela boca e ficam escorregando pelas mãos, ficam tremendo nos dedos, loucas pra te pedir que espere, pra te dizer que eu queria um minuto, que eu queria te embrulhar paz de presente e depois ir embora e parar de incomodar de qualquer jeito que fosse. Que eu queria mesmo era te sorrir de novo, beber um suco de laranja e falar de quaisquer flores.
Eu, que também tropeço nas regras e não sei se deveria só cultuar o silêncio, eu que não passo um dia sem responder quando esse seu olhar me interroga. E que talvez tenha errado no jeito, tenha descumprido alguma promessa esquecida ou mal entendida em algum tempo bonito que ficou pra trás.
Só queria que você soubesse que eu não tô pensando em erros, que ninguém precisa medir culpas e... sabe aquele azul, aquela noite de presente, aqueles ares de suspiros? Esses eu sei onde guardo, eu sei que me guardam pro resto da vida, pelas vidas afora, que eu não sei e nem quero esquecer cada instante de um conto tão bonito. Só queria que você ouvisse que o meu filho ainda vai estudar na sua escola e aprender da sua História e dos seus sonhos coloridos de menino, das suas conquistas de guerreiro, das suas vitórias merecidas.
E que eu não tô fugindo de mim, nem de você e nem me importa nenhuma daquelas acusações assustadoras que me fizeram em verões passados. Eu não tento mais, nunca mais, acreditar na lenda do monstro, eu parei de procurar as dúvidas e escolhi outras memórias tão melhores de guardar.
Se a minha mão se soltou, não foi de birra, não foi de pirraça e eu queria tanto que você soubesse que eu te gosto, que eu me cuido e que despedida é sempre dolorido mesmo quando já passou da hora de ir. Gente que cultiva ternura comigo e entra na roda de humanizar as loucuras não me desgruda da alma nunca mais mesmo que passe. Passou. Mas não era pra ser assim e eu não sei dizer nem desdizer direito. Esquecer? Temer? Não tem nada a ver com nada disso. Só enquanto eu respirar... (é, isso vale mesmo até o tal do sempre)
Afinal de contas não é todo dia que a gente encontra quem pule apesar do medo de altura!

segunda-feira, 1 de março de 2010

Apenas por esse motivo

Outro dia ele escreveu só pra poder dormir. Hoje é pra poder respirar.


Porque no meio do caminho, a tinta espalhada no chão daria uma boa fotografia a quem soubesse ver. E o bar, e a praça e a ausência de portões que me recebe familiar apesar da distância em que meus olhos vagueiam... tudo dariam boas histórias, boas figuras, talvez. Mas provavelmente não me dariam hoje uma palavra que valha qualquer pedaço de coisa.
No meio do caminho, um ipê fora do tempo cobre o chão da minha cor preferida e o mundo de agora me abraça, me apressa pela mão, me requer aqui de corpo inteiro. Mas eu respiro um segundo e, numa frequência que nenhum outro ouvido captaria, o mundo que deveria dormir ainda me cochicha uma insônia. Não é nem muito pirracento esse meu mundo que ficou ali antes do meio, ele só... não queria dormir de novo agora, perdeu o sono.
E eu? Viva demais nessa metáfora disconexa, tentando me reconectar em algum dos lados. Eu sou uma fonte de saudades que, de um lado se sanam e d'outro se expandem. Mas isso é só até trocar de universo outra vez e inverter toda a lógica, e inventar outro jeito.
Hoje é só pra poder respirar e dar ao francês a pronúncia certa. É só um dizer de que esse ódio e esse medo não me pertencem, e de tão despertencidos eles nem me encostaram mas nunca foi feliz ver um sonhador de sorriso apagado. Pode até ajudar a lembrar que os instantes mais lindos se acabam e nem por isso perdem o encanto... Que eu vivo louca e inteira de metáforas e gargalhadas infantis, mas não sei como guarda mágoa minha nem de outro e não vou aprender agora. Pode até ser que ajude ou só piore, que reverta qualquer coisa de sagrado. Tanto faz.
Eu levei um tempo de vôo pra aprender que tem que pôr a máscara de oxigênio em você mesmo antes de ajudar
E hoje... é só pra poder respirar
Apenas por esse motivo

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Bordados

As linhas do vestido se enraizaram na minha pele como se proibissem o sono. Mas, na polidez da minha vontade, a paz do fim de festa se bordou de sorrisos tão coloridos que eu precisei fechar a porta. Dessa vez, sair era como um sapato preto maravilhoso... Pena que eu tava de vestido branco e que ele não combinava com a ocasião. Era uma sandália nova e confortável que eu precisava guardar no armário pra usar depois. Bem depois.
Foi só daquela vez... Deixei o branco pro vestido enquanto me subia um vermelho às bochechas. Há algumas gargalhadas que a gente simplesmente não tem o direito de interromper. Alguns pensamentos a gente congela depois do boa noite e torce pra não virarem sonho, que é pra não morrer de vontade noite adentro.
O coração em dúvida começou a não caber sob as flores, mas o pano já estava todo costurado em mim. Na verdade, era muito mais simples que isso. O grande segredo é que às vezes a gente precisa das palavras pro abraço encaixar na falta.
As linhas do vestido bordaram um trajeto bonito no meu peito, mas aquela despedida não era pra hoje. Eu engoli alguns desejos ainda sem entender e me rendi à camisola cor-de-rosa, ao seu colo que eu vinha procurando há tanto tempo.
E de repente, fez sentido. Naquela noite toda trocada, de uma hora a mais e uns violões a menos, eu tinha outra coisa pra comemorar depois de cantar parabéns. A estrada já estava começando a passear nos meus pensamentos e ainda assim, a noite não era de despedir.
Tudo muito confuso? Eu explico. Mas, se mesmo assim não der pra entender, a sua lágrima aceita o meu abraço?
Era o fim da festa, com direito a copos recolhidos e luzes apagadas. Nenhum de nós teve coragem de pedir pra sair dali porque as risadas estavam tão leves! Quem ia querer estragar a foto? Acontece que a casa adormeceu, as camas estavam prontas, à nossa espera. E eu não sabia como desgrudar o vestido do corpo. Alguma coisa em mim estava tão em festa quanto confusa e, no começo, não fez sentido. Qualquer coisa muito mais bonita que a frustração fazia o bordado se recusar a sair dali, fazia o pano roubar a minha brancura e a minha pele querer festa. Eu me conformei em guardar tudo pra outro dia, em pegar o cobertor e deitar no seu colo. Foi aí que deu pra entender.
Quando o tempo voltou uma hora pra marcar o fim do verão apesar do calor, eu achei você. E já não sei se era nesse relógio que a gente tinha se perdido, mas já sei o que merece festa. Agora eu já posso fazer as malas tranquila, que viajar no espaço nunca me tirou de perto da sua mão. Eu ainda durmo com ela me segurando tantas noites... Até porque, ninguém mais entenderia a graça de dormir de mãos dadas. Acabou o seu mistério e no meio das mil cores que estão explodindo no meu peito estão os fogos de artifício atrasados de mais um ano-novo, de mais um ano nosso. Quase não sei acreditar que você voltou junto com a hora perdida, que na verdade você tava aí o tempo todo, escondido entre os ponteiros.
Foi incrível sentir a saudade acabar de vez justo agora que eu tô pra ir embora. Eu guardei o vestido pra uma outra noite, mas você ficou bordado aqui no meu peito junto do alívio que eu tive ao te sentir de novo pertinho da minha alma. O dia ainda terminou em lágrima mas agora eu posso te ajudar a enxugar. Me desculpe por ter perdido o seu tempo e te perdido nesse tempo.
E obrigada por estar de volta.

(eu vou fazer um relógio que combina com seu anel: com tempo e asas, a gente não se perde nunca mais)

FujiFilm

Meu vazio me completa às vezes. Me completa de tal forma que eu preciso sumir. Simplismente sumir. Pra que eu possa mais uma vez voltar à mim e me dar conta de que estou presente, o mais presente possivel do que alguém pode estar.
Me completo sem me dar ao luxo do erro , pois o este me faria parar. Parar até ter que voltar de novo como volto quando fujo de mim mesmo, lembra? Pois bem. Tomo o máximo de cuidado pra nao esbarrar. E sim, minha cara, eu também esbarro. Mas é na minha ida. Na minha fuga.
"Independencia ou morte!". Que exagero...

Mau

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Que já vai fechar...

não adianta chorar.


Por um instante, eu achei que soubesse. Eu fiz as malas pra entrar no mundo real, e agora? Logo agora que eu tava aprendendo a lidar com a altura, com as bruxas e quedas... que eu ia poder brincar. Você desiste? Justo hoje que o vestido coube e eu comecei a esconder cicatrizes, você quer mudar de lado?

Eu aqui, revisando as regras e empurrando malas lotadas jogo adentro e você despindo a pele pra brincar de sentimento! Sério? Porque se for uma piada, é de péssimo gosto.

Só não vá se iludir com as pétalas do caminho, ok? Esse negócio de não ter espinhos tira um pouco a cor das rosas. Depois de um tempo no paraíso, perde a graça. E você se vê numa multidão de anjos pedindo por cinco minutos de inferno. Só pra poder pingar um pouco daquele difícil entre o olhar e o beijo. Depois de uns dias assistindo, você vai querer brincar de novo. E se aí já for tarde demais?

Espera... eu te conheço. Não é a primeira vez que a gente fica do mesmo lado da linha. Mas não atravessa ainda que é pra não machucar os pés. Depois de tanto tempo, pode doer um pouco ficar descalço. Calma! Não vem ainda pra cá que esse desencontro eu já não quero. Sei que você pulou de uma vez aí pra esse lado e nem deve mais lembrar de como é a travessia, mas eu tô passeando na fronteira há um tempo... e sabe de uma coisa? Não é tão divertido assim.

Dessa vez a restrição era menor. Podia querer bem se não fosse demais: podia até esbarrar se não durasse muito. Será que alguém mexeu nas normas? Porque eu tava pronta pra escolher a máscara quando me dei conta de que as unhas estão cortadas, quando percebi que se não fosse pra esbarrar, eu não ia nem querer tentar de novo.Eu quero a minha pele de volta, nem que seja por perto, à mão; mas eu não posso impedir essa pulsação das pontas dos dedos. Eu quero negociar e ok, nada de drama. Mas a alma não dá pra tirar do pacote.

Uma hora eu vou ter que aprender, eu vou ter que engolir essas regras e essas quebras. Mas e se a gente achasse uma ponte? Assim o conto não precisava ser tão cor-de-rosa e o real não precisava ser dessas cores opacas tão de mentira. Há de ter alguma coisa nesse meio de caminho! Não é possível que a gente tenha pra sempre que escolher entre botas e pés descalços. Ninguém aí tem um chinelo?


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Hiato




Com olhos que me afogam
ele invade o seu espaço,
ele inunda o seu espelho,
e confunde o meu abraço.

Durou só um segundo,
se é que aconteceu.
Mas congelou meu instante
Ver, cá da janela,
Que ele foi buscar o sol
E afundou demais no sal.

Doeu cá no meu desejo
e eu parei o seu sorriso.
Lá d'outro lado da janela
Onde a sua saudade nem vê
alguém se afogando transbordou.

Olha lá ele, entregue a Posêidon!
Secou-me os lábios num piscar de longe
E você? Puxou cortina e vidro
Sussurrou ali na porta da minh'alma
que ele agora já pertence a outra onda,
e eu não podia mesmo esse resgate.

Você ajusta o espelho caído, tranca a porta.
O tal do mundo além-janela é pra depois
Num silêncio, me sossega
Seus olhos me mergulham
E eu lembro: não sei nadar.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Desembolou?


Quando vem o grito, não é como se você tivesse escolha: são os mais próximos que vão te segurar firme e talvez o seu braço direito esteja com quem menos esperava, com alguém que estava ali do lado e você não tinha nem visto. E aí as pessoas se entrelaçam pela sua vida afora entre "ais" e gargalhadas, muitas vezes sem pedir a mínima licença... No máximo, quando querem fazer uma estripolia e pôr um pedaço da roda de pernas pro ar elas avisam "dá um espaço aí".
Sempre vai ter um engraçadinho pra chutar as estruturas e um desesperado pra afogar no raso. E quem é que nunca precisou entrar na dança pra não engolir seu tanto d'água também? No meio da confusão de abraços, de quase-beijos ou rasteiras, aquele rosto sorrindo sumiu de perto e aaaai, olha ali um pedacinho seu indo junto com as maluquices de outro!
"Eeei, me espera! Isso me pertence!! Páaaara com isso senão vai quebrar, caramba!"
Uns vão tentar pular fora pra escapar à confusão mas alguém vai mergulhar no emaranhado de gotas e embolar tudo de novo, alguém vai preferir o aconchego de um abraço esbarrado a esperar de braços soltos na água fria. Às vezes dói de verdade e a gente diz "sérioo, pára com isso"... mas como de outras vezes não é sério e nunca dá pra todo mundo ouvir todos os gritos, a roda não pára de girar, nem quando é sério, nem quando tá doendo de verdade.
Mas no fim das contas, o que acontece é uma explosão de gargalhadas. Devagar, recuperam-se os pedaços que tinham ficado embolados e, se os sorrisos forem muito gostosos, a lembrança de dor vai ficando leve até sumir. Aí a gente se solta ou se abraça com mais calma, talvez com mudança de lugar e tudo... só que tem aquelas coisas que nunca mudam. Depois que você toma um ar, alguém resolve entrar na brincadeira outra vez: e quando vem o grito, você já não tem escolha...

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Que bom!

Só pra poder dormir. Apenas por esse motivo. Quero dizer... me sentirei melhor escrevendo, de qualquer forma.
Hoje eu fiz nada em casa além de estar no computador, apreciar um pouco de TV e dormir ao ar-condicionado, antes de sair com os amigos. Foi nesse último ato que surgiu a calma. Uma calma atordoada pela inveja dos casais ali presentes, uma vez que eu ando carente. Sim, eu ando carente. Mas não se preocupem , pois a tal calma com uma pitada de inveja era boa, ao menos pra mim.
A saída acabou-se e vim pra casa. Aqui eu descobri que o mundo solitário em que vivo nem anda tão desabitado assim. Foi aí que eu fiquei calmo e feliz, muito feliz. Por dentro e por fora. E...ah! Estou com sono e já me sinto aliviado. Boa noite.

OBS: Foi só pra poder dormir. Apenas por esse motivo.

Mau


terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Ajustes

São exatas 01:43 horas da madrugada e meu cérebro continua em harmonia com meus neurônios. Tudo em perfeita ligação e controle absoluto. OPA! Acho que nem tudo.
Acabei de sentir um puxão no meu lado esquerdo e um pouco pro sul da região cardiovascular. Explicação tecnica, não? Curioso. A questão é que aquele, aquele sentimento lá do fundo, do fundo mais profundo se encontra desajustado. Desajustado de um modo tão confuso quanto a minha explicação dada à cima. E é ai que se encontra o problema.
Conversando com duas pessoas percebi tamanho amor que não sinto a mim mesmo e por consequencia o fiz menos ainda. Ao contrário. Me odiei mais e mais até que tive que parar. Parei e não pensei mais. Não pensei nunca mais.
O mundo gira independente das pessoas. Mas a vida não gira em torno de sí mesma.

Mau