domingo, 21 de fevereiro de 2010

Bordados

As linhas do vestido se enraizaram na minha pele como se proibissem o sono. Mas, na polidez da minha vontade, a paz do fim de festa se bordou de sorrisos tão coloridos que eu precisei fechar a porta. Dessa vez, sair era como um sapato preto maravilhoso... Pena que eu tava de vestido branco e que ele não combinava com a ocasião. Era uma sandália nova e confortável que eu precisava guardar no armário pra usar depois. Bem depois.
Foi só daquela vez... Deixei o branco pro vestido enquanto me subia um vermelho às bochechas. Há algumas gargalhadas que a gente simplesmente não tem o direito de interromper. Alguns pensamentos a gente congela depois do boa noite e torce pra não virarem sonho, que é pra não morrer de vontade noite adentro.
O coração em dúvida começou a não caber sob as flores, mas o pano já estava todo costurado em mim. Na verdade, era muito mais simples que isso. O grande segredo é que às vezes a gente precisa das palavras pro abraço encaixar na falta.
As linhas do vestido bordaram um trajeto bonito no meu peito, mas aquela despedida não era pra hoje. Eu engoli alguns desejos ainda sem entender e me rendi à camisola cor-de-rosa, ao seu colo que eu vinha procurando há tanto tempo.
E de repente, fez sentido. Naquela noite toda trocada, de uma hora a mais e uns violões a menos, eu tinha outra coisa pra comemorar depois de cantar parabéns. A estrada já estava começando a passear nos meus pensamentos e ainda assim, a noite não era de despedir.
Tudo muito confuso? Eu explico. Mas, se mesmo assim não der pra entender, a sua lágrima aceita o meu abraço?
Era o fim da festa, com direito a copos recolhidos e luzes apagadas. Nenhum de nós teve coragem de pedir pra sair dali porque as risadas estavam tão leves! Quem ia querer estragar a foto? Acontece que a casa adormeceu, as camas estavam prontas, à nossa espera. E eu não sabia como desgrudar o vestido do corpo. Alguma coisa em mim estava tão em festa quanto confusa e, no começo, não fez sentido. Qualquer coisa muito mais bonita que a frustração fazia o bordado se recusar a sair dali, fazia o pano roubar a minha brancura e a minha pele querer festa. Eu me conformei em guardar tudo pra outro dia, em pegar o cobertor e deitar no seu colo. Foi aí que deu pra entender.
Quando o tempo voltou uma hora pra marcar o fim do verão apesar do calor, eu achei você. E já não sei se era nesse relógio que a gente tinha se perdido, mas já sei o que merece festa. Agora eu já posso fazer as malas tranquila, que viajar no espaço nunca me tirou de perto da sua mão. Eu ainda durmo com ela me segurando tantas noites... Até porque, ninguém mais entenderia a graça de dormir de mãos dadas. Acabou o seu mistério e no meio das mil cores que estão explodindo no meu peito estão os fogos de artifício atrasados de mais um ano-novo, de mais um ano nosso. Quase não sei acreditar que você voltou junto com a hora perdida, que na verdade você tava aí o tempo todo, escondido entre os ponteiros.
Foi incrível sentir a saudade acabar de vez justo agora que eu tô pra ir embora. Eu guardei o vestido pra uma outra noite, mas você ficou bordado aqui no meu peito junto do alívio que eu tive ao te sentir de novo pertinho da minha alma. O dia ainda terminou em lágrima mas agora eu posso te ajudar a enxugar. Me desculpe por ter perdido o seu tempo e te perdido nesse tempo.
E obrigada por estar de volta.

(eu vou fazer um relógio que combina com seu anel: com tempo e asas, a gente não se perde nunca mais)

FujiFilm

Meu vazio me completa às vezes. Me completa de tal forma que eu preciso sumir. Simplismente sumir. Pra que eu possa mais uma vez voltar à mim e me dar conta de que estou presente, o mais presente possivel do que alguém pode estar.
Me completo sem me dar ao luxo do erro , pois o este me faria parar. Parar até ter que voltar de novo como volto quando fujo de mim mesmo, lembra? Pois bem. Tomo o máximo de cuidado pra nao esbarrar. E sim, minha cara, eu também esbarro. Mas é na minha ida. Na minha fuga.
"Independencia ou morte!". Que exagero...

Mau

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Que já vai fechar...

não adianta chorar.


Por um instante, eu achei que soubesse. Eu fiz as malas pra entrar no mundo real, e agora? Logo agora que eu tava aprendendo a lidar com a altura, com as bruxas e quedas... que eu ia poder brincar. Você desiste? Justo hoje que o vestido coube e eu comecei a esconder cicatrizes, você quer mudar de lado?

Eu aqui, revisando as regras e empurrando malas lotadas jogo adentro e você despindo a pele pra brincar de sentimento! Sério? Porque se for uma piada, é de péssimo gosto.

Só não vá se iludir com as pétalas do caminho, ok? Esse negócio de não ter espinhos tira um pouco a cor das rosas. Depois de um tempo no paraíso, perde a graça. E você se vê numa multidão de anjos pedindo por cinco minutos de inferno. Só pra poder pingar um pouco daquele difícil entre o olhar e o beijo. Depois de uns dias assistindo, você vai querer brincar de novo. E se aí já for tarde demais?

Espera... eu te conheço. Não é a primeira vez que a gente fica do mesmo lado da linha. Mas não atravessa ainda que é pra não machucar os pés. Depois de tanto tempo, pode doer um pouco ficar descalço. Calma! Não vem ainda pra cá que esse desencontro eu já não quero. Sei que você pulou de uma vez aí pra esse lado e nem deve mais lembrar de como é a travessia, mas eu tô passeando na fronteira há um tempo... e sabe de uma coisa? Não é tão divertido assim.

Dessa vez a restrição era menor. Podia querer bem se não fosse demais: podia até esbarrar se não durasse muito. Será que alguém mexeu nas normas? Porque eu tava pronta pra escolher a máscara quando me dei conta de que as unhas estão cortadas, quando percebi que se não fosse pra esbarrar, eu não ia nem querer tentar de novo.Eu quero a minha pele de volta, nem que seja por perto, à mão; mas eu não posso impedir essa pulsação das pontas dos dedos. Eu quero negociar e ok, nada de drama. Mas a alma não dá pra tirar do pacote.

Uma hora eu vou ter que aprender, eu vou ter que engolir essas regras e essas quebras. Mas e se a gente achasse uma ponte? Assim o conto não precisava ser tão cor-de-rosa e o real não precisava ser dessas cores opacas tão de mentira. Há de ter alguma coisa nesse meio de caminho! Não é possível que a gente tenha pra sempre que escolher entre botas e pés descalços. Ninguém aí tem um chinelo?


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Hiato




Com olhos que me afogam
ele invade o seu espaço,
ele inunda o seu espelho,
e confunde o meu abraço.

Durou só um segundo,
se é que aconteceu.
Mas congelou meu instante
Ver, cá da janela,
Que ele foi buscar o sol
E afundou demais no sal.

Doeu cá no meu desejo
e eu parei o seu sorriso.
Lá d'outro lado da janela
Onde a sua saudade nem vê
alguém se afogando transbordou.

Olha lá ele, entregue a Posêidon!
Secou-me os lábios num piscar de longe
E você? Puxou cortina e vidro
Sussurrou ali na porta da minh'alma
que ele agora já pertence a outra onda,
e eu não podia mesmo esse resgate.

Você ajusta o espelho caído, tranca a porta.
O tal do mundo além-janela é pra depois
Num silêncio, me sossega
Seus olhos me mergulham
E eu lembro: não sei nadar.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Desembolou?


Quando vem o grito, não é como se você tivesse escolha: são os mais próximos que vão te segurar firme e talvez o seu braço direito esteja com quem menos esperava, com alguém que estava ali do lado e você não tinha nem visto. E aí as pessoas se entrelaçam pela sua vida afora entre "ais" e gargalhadas, muitas vezes sem pedir a mínima licença... No máximo, quando querem fazer uma estripolia e pôr um pedaço da roda de pernas pro ar elas avisam "dá um espaço aí".
Sempre vai ter um engraçadinho pra chutar as estruturas e um desesperado pra afogar no raso. E quem é que nunca precisou entrar na dança pra não engolir seu tanto d'água também? No meio da confusão de abraços, de quase-beijos ou rasteiras, aquele rosto sorrindo sumiu de perto e aaaai, olha ali um pedacinho seu indo junto com as maluquices de outro!
"Eeei, me espera! Isso me pertence!! Páaaara com isso senão vai quebrar, caramba!"
Uns vão tentar pular fora pra escapar à confusão mas alguém vai mergulhar no emaranhado de gotas e embolar tudo de novo, alguém vai preferir o aconchego de um abraço esbarrado a esperar de braços soltos na água fria. Às vezes dói de verdade e a gente diz "sérioo, pára com isso"... mas como de outras vezes não é sério e nunca dá pra todo mundo ouvir todos os gritos, a roda não pára de girar, nem quando é sério, nem quando tá doendo de verdade.
Mas no fim das contas, o que acontece é uma explosão de gargalhadas. Devagar, recuperam-se os pedaços que tinham ficado embolados e, se os sorrisos forem muito gostosos, a lembrança de dor vai ficando leve até sumir. Aí a gente se solta ou se abraça com mais calma, talvez com mudança de lugar e tudo... só que tem aquelas coisas que nunca mudam. Depois que você toma um ar, alguém resolve entrar na brincadeira outra vez: e quando vem o grito, você já não tem escolha...