Laboratório de Palavras
Testando palavras; trabalhando metáforas. Uma velha proposta de ano novo
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Fica feio se eu chorar?
_ Sei. E o passarinho?
_ O passarinho foi feito por Deus para ajudar as criancinhas a descobrirem as coisas. Depois então quando o menino não precisa mais, ele devolve o passarinho a Deus. E Deus coloca ele em outro menininho inteligente como você. Não é bonito?
[...]
_ Voa, meu passarinho. Bem alto.Vá subindo e pouse no dedo de Deus. Deus vai levar para outro menininho e você vai cantar bonito como sempre cantou para mim. Adeus, meu passarinho lindo!
Senti um vazio por dentro que não acabava mais.
_ Olhe, Zezé. Ele pousou no dedo da nuvem.
(...)
_ Fica feio se eu chorar?
_ Nunca é feio chorar, bobo. Por quê?
_ Não sei, ainda não me acostumei. Parece que aqui dentro a minha gaiola ficou vazia demais"
(Meu Pé de Laranja Lima, José Mauro de Vasconcelos)
Parei de brincar de laboratório. Hora de deixar voar o passarinho.
"É um agradecimento. E uma despedida"
Pra quem quiser acompanhar os vôos do pensamento, tem o pézinho de laranja-lima: http://flor-de-laranjeira-lima.blogspot.com (sim, e um convite também!)
quarta-feira, 15 de junho de 2011
Mais uma de exílio?
E quem canta é o pardal.
Se aqui há mais borboletas
Lá eu via beija-flores
Se as estrelas são as mesmas
Árvores de lá eu plantei
Tem jaboticaba no pé, e
Vendida no litro é só lá que tem!
Pra cismar sozinha lá
eu tinha uma olivetti
e um velho relógio de bolso
Ai, terra dos pardais
Lá também tem Sabiá!
As minhas caixinhas de lembranças
Meus sagrados de adolescer
Aquele sino de igreja da infância
São maiores até que os primores
Que o tal do poeta cantou
Ele que também não tinha mar
Será que teve o mar de morros?
Ele não teve Pedra Negra!
Queira Deus que ao voltar lá
Ainda faça muito calor
Pra eu me esconder na sombra do oiti
E - sem rima nem segredo -
que eu reveja a minha raiz
nesses cantos de pardal
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Desmemória
Cheguei: dessa vez, foi o coração que ficou pra trás.
E aí, será que vem por correio?
sexta-feira, 29 de abril de 2011
Um copo d'água.
Entre todos os nossos entretantos.
Eu lembro de uma noite qualquer. Qualquer daquelas na sua casa. Na NOSSA casa. Meu lápis rabiscava o papel buscando a perfeição daquela que era perfeita pra mim. ''Mãe, posso dormir na casa da Ana?''. Uma, duas, três horas. O tempo passava e meus olhos não se atreviam a fechar. Era preciso viver! Viver até desmaiar de sono à visão de mesas girando ao leo: loucos! Por estarmos juntos.
Parte de mim é a menina dos olhos. Parte dos amigos; do conhecimento; da vivência. Um ser de pequeno tamanho e de tamanha grandeza que ocupa um espaço imenso sem sair do lugar: um abraço de braços fortes.
De Rocha à água. Mas sem sair do papel de pedra: cada algo no seu devido lugar. E o tempo formou-se mulher e a mulher formou-se no longe. Mas quem disse que o longe existe (não é?)?
Me joguei pra fora do barco e enquanto afundava alguém me puxou. E me abraçou ''como ninguém mais nesse mundo''. Respirou comigo e deixou que eu chorasse; que espantasse meus medos. Só respirou.
São quatro casas, dois amigos.
''A Ana vem! Eu sei.''
É uma casa, um ser.
Mau
sábado, 16 de abril de 2011
Um soluço
Eu tinha então 13 anos. Você, 10 e nada a ver com isso.
O acampamento fora esdrúxulo, a volta, torta. O dia seguinte se resumia àquele segundo de ansiedade que não passa, àquela esperança que não sabe vencer o choro. O hospital que não aceitou os meus treze anos não sabe o que fez com o significado dos quatorze, dos dezesseis, dos dezoito.
Eu vi as pessoas chegarem de longe pra correr às janelas e afogar os olhos no céu, sem entender. Preces e telefonemas, decisões e vôos, malas e silêncio.
A gente fazia máscaras de oxigênio com os abraços mais próximos: era a urgência de ar.
Mas depois das horas de estrada, da chuva que já não me lembro se caiu no céu ou só nas minhas bochechas... Depois do relógio me sussurrar as duas e meia da manhã e dos ponteiros fincarem meu peito... Quando as rosas se fizeram cheiro e atacaram as minhas narinas e os meus pulmões e eu não entendi... (alguém explicou que aquilo era cheiro de morte em qualquer hora que fosse) Quando eu não pude comer por aquela mesma boca arrasada que não dissera adeus e o mundo se tornou pequeno no meu soluço, e o ar e o sono perderam-se de mim! Aí você teve que ver com isso. Eu te fiz ter que ver, ter que vir, porque agora a máscara provisória não me salvaria mais.
A gente era tão novo.
"Mãe, o Maurício vem? Por favor, pede pra alguém me trazer o Maurício"
Era o meu primeiro encontro com a morte.
E não houve pai nem mãe, nem primo nem avó, nem anjo ou deus nenhum que me acalmasse. Não houve palavra de consolo, família reunida ou pétala de rosa que me fizesse respirar de novo
enquanto não chegou o seu abraço. Um abraço de dez anos de idade. 10 anos que já sabiam o que era não ter avô mas, muito mais que isso, que sabiam me abraçar como ninguém mais nesse mundo.
"Mãe, por favor, pede pra alguém me trazer o Maurício"
Vida que segue, você cresceu, as coisas mudam
Mas quando a saudade me estremece ou falta você nas suas palavras
é esse episódio que pula do peito.
"o Maurício vem?Por favor..."
Entre todos os nossos entretantos.
Laços
Por algum desses mistérios das estrelas, eu finjo que algum dia nós nos conhecemos de verdade. E que essa pirueta que o vento deu justo naquele banco em que você subia...
Ah, Aquela pirueta é um cartão postal vindo da França!
No meu sonho de um segundo não existe burocracia nem preço e as suas sapatilhas voaram lá de longe, bailaram nuvens afora só pra me dizer que as ruas de Paris são do jeitinho que você esperava, são do tamanho que a sua memória de treze anos guardou um dia. São sapatilhas velhas e gastas, como sempre sonharam ser. E vêm voando em livros quase novos, com o gosto vermelho do chocolate amargo que derrete na boca.
Eu pisquei os olhos naquele bar em que você chorava, eu só reabri depois do flash e... passou. De repente, a crise do terceiro ano é minha e eu não tenho ideia de onde você se meteu. Eu não teria como saber e já não faz tanta diferença. No meu sonho, foi num ballet parisiense.
E os dias de céu azul bem brasileiros ficaram, pra eu te abraçar quando quiser
(no sagrado silêncio das almas desconhecidas que se entendem)
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
Primeiro Momento
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
Canto Esponjoso
''Mais uma! Mais uma!''.
Pensa! Pensa! Outra. Continuo nervoso. A barriga revira.
''OK. Vamos!''
Errei. Droga! Errei. Mas os pés continuam firmes. Já nem sei onde a barriga foi parar.
Rosto vermelho. Sentimentos apreensivos.
Acabou.
--
Três da manhã. Confuso. Uma lágrima.
--
''Bela
a pasagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.''
Adere.
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Mau
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Cinzas
"Eu não sabia que ele iria embora. Quer dizer... eu podia ter avisado ou (não, não havia nada que ela pudesse ter dito, na verdade) quem sabe eu..."
e os soluços entre balbucios eram uma tentativa desesperada de reaprender a respirar:
"Quem sabe se... se eu soubesse... teria dado um... um abraço mais forte, um olhar mais insistente. Eu só queria ter tido o tempo de dizer qualquer coisa... qualquer coisa mais interessante do que meias sujas. Você entende? Ele estava ali tão ausente e com os pés tão sujos do desprezo pelo caminho que... eu só consegui falar das meias. Não queria que se perdesse nos passos e agora..."
Pra falar a verdade, não tinha faltado tempo, mas espaço. Ele enchera tanto a cabeça e os ouvidos daquele drama, daquela desvontade de qualquer coisa que palavra nenhuma entraria. Já nem adiantava falar, porque ele insistia tanto em repetir todas as coisas que maldissera a vida inteira que rasgara os tímpanos. Agora só sabia ouvir o que sua tristeza inventasse.
E ela ficou ali, acariciando os pés sujos e descalços do cadáver. Ele tinha um par de meias brancas nas mãos. Mas de que adiantava ter aprendido a lavar as meias?
Justo ele que morrera da falta de vontade de andar...